Achar meu lugar
É tarde. Tudo está quieto e parado.
No horizonte uma linha de curvas escuras. São morros que circundam o topo do penhasco onde me encontro. A minha frente um pequeno vilarejo me faz pensar nos quadros de cidades da europa de antigamente. Essa vista me faz falta. É tão diferente de tudo que sempre vejo. Algumas plantas, embora iguais, são diferentes na cor e na textura. As cores me parecem mais apagadas, mas deve ser pela vegetação composta básicamente de suculentas, plantas que resistem ao sol forte do dia e ao gelo da noite. Os morros são cobertos delas. Organizadas harmonicamente em jardins que poderiam ter sido projetados por qualquer paisagista de renome, surgem do nada, para o nada vão. Uma folha caída entre duas rachas de pedra brota e se reproduz formando uma fileira vermelha. Acima e abaixo em platôs com alguma terra, uma flor impressionante. Uma haste comprida a altura da minha cintura sustenta uma bola do tamanho de um melão. A haste é tão fina, que a primeira vista não deveria suportar o peso da flor. Porém a flor, embora seja grande, é feita de centenas de pequenas hastes quase invisíveis, todas unidas no centro, em cujas pontas balançam mini flores brancas, essas também feitas de minúsculas hastezinhas com mini-florinhas brancas nas pontas. Imagino que se eu pegar uma lupa encontrarei o infinito. Ao seu lado, uma planta de nome estranho e aparência mais estranha ainda. Grosseira, com galhos retorcidos e cheios de caroços, atinge quando muito a altura dos meus joelhos. As folhas de um verde muito escuro são a única parte dessa planta que orna com aquela outra de flor tão delicada. As duas juntas no entanto compôem quadro de beleza singular. A delicadeza ao lado da brutalidade. O escuro e o claro. O áspero e a maciez. Entremeadas, como se fossem pano de fundo desse cenário, outras suculentas preenchem os espaços, pincelando-os de rosa-claro, verdes que vão do pastel ao oliva, cinzas, laranjas e vez por outra, para dar alguns tons diferentes, um vermelho quase roxo. As pedras, sustentáculo desse jardim de delícias, parecem plantadas alí. Todas voltadas numa mesma direção me provocam a vontade de rezar. Deve ser alguma herança longíncua de algum ritual que nunca vi, mas que deve permanecer no meu inconsciente esperando a vez de surgir.
Olho de novo o horizonte. Já é noite. No céu, as estrelas surgem mas não consigo encontrar aquelas que reconheço sempre. A Via Láctea está lá mas no sentido contrário. O Cruzeiro do Sul também, mas aponta para o lado errado. E onde andará o Órion? As duas Ursas que aprendi a achar há tão pouco tempo?
Este é meu lugar, eu sei. Sinto dentro de mim como se voltasse para casa. Mas sinto também que há muito dei meu coração e corpo para outras paragens. É hora de voltar. Deixar ficar neste lugar toda magia que me encanta. Levar comigo a sensação e a lembrança daquilo que me reenergiza. Encontrar meu lugar onde minha bússola interna acha o sul e o norte e me mantém aprumada e no rumo.
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Pra que você entenda o que Belo Horizonte é para mim.
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